Há uma interessante discussão ocorrendo recentemente sobre questões tecnológicas -- em particular, o uso conjunto de tradução automática e memória de tradução por tradutores profissionais.
Um pouquinho de contexto:
A tentativa de se fabricar sistemas automáticos de tradução (MT - Machine Translation, ou TA - Tradução Automática) estourou após a Segunda Grande Guerra. Lá pelos anos 70, já estava bastante claro que nenhum computador era capaz de replicar todo o raciocínio humano por trás da decodificação, tradução e recodificação de textos, exceto aqueles de estrutura e vocabulário extremamente limitados.
Nas últimas duas décadas, floresceram as chamadas memórias de tradução (CAT - Computer-Assisted Translation - Tools). São bancos de dados otimizados, geralmente integrados a editores de textos como o MS Word, que arquivam tudo o que uma pessoa traduz - original e tradução - além de oferecer ferramentas para a alimentação de glossários. A ideia é acelerar nosso trabalho com pesquisa e digitação, reaproveitando termos e trechos previamente traduzidos.
Os programas de MT continuaram existindo e há vários gratuitos por aí (Babelfish/Altavista, Systran, e agora o Google Translate, entre outros). O que sempre foi muito óbvio é que eles são fracos, cometendo erros gramaticais e terminológicos grosseiros, servindo apenas para se ter uma vaga ideia do que um site trata, por exemplo. Mas nenhum profissional que se preze sequer olharia para um programinha desses.
Só que a tecnologia foi evoluindo, e quem passou alguns anos ignorando esses programas já deve ter se surpreendido ao se deparar, nem que seja sem querer, com o Google Translate e constatar que ele está bem mais espertinho do que imaginávamos.
Então, no ano passado, no congresso da ATA - Associação de Tradutores dos EUA -, Giovanna Boselli e Cris Silva apresentaram uma pesquisa combinando MT e CAT: memória de tradução para armazenar e reaproveitar trechos e expressões, e o Google Translate para segmentos ainda sem tradução, tudo monitorado e revisado pelo tradutor. Os resultados foram surpreendentes pela velocidade e a qualidade. Os slides da apresentação estão disponíveis, mas pessoalmente acho que não fazem muito sentido sem tudo o que as autoras têm a relatar. Eu não vi essa apresentação, mas acompanhei algumas trocas de e-mails das autoras na lista de discussão da ATA e verei outra apresentação do mesmo tema no congresso da Divisão de Língua Portuguesa, agora em junho. É o item da programação para o qual tenho a maior expectativa.
A Corinne McKay também fala dessa conferência e faz outros testes por conta própria.
Curiosamente, há quase 12 anos eu escrevi uma monografia sobre tradução automática para o curso de especialização. Parte do texto relata a história e a evolução dos sistemas, e outra parte apresenta um teste com um software que existia na época. Essa segunda parte está totalmente obsoleta - o sistema não existe mais e, sinceramente, a pesquisa foi muito fraca, apenas um teste sem grande base científica. Só deixei o texto disponível na internet até hoje porque ele ainda é bastante citado por conta do resumo histórico. O que acho curioso é que a discussão sobre MT esteja voltando em termos não muito diferentes dos que eu usei nesse artigo, após as CAT terem conquistado seu merecido espaço na história - boa parte da qual ocorreu bem depois desse meu trabalho.
Em suma: a MT nasceu como um ideal impossível, foi relegada a sub-produto que não afeta a vida dos tradutores e de repente vem dando a volta por cima como algo que sim, pode ser muito útil, mas que levanta uma série de indagações profissionais e éticas.
Se de um lado há pesquisas e experimentos sérios, há também o mundo das pessoas comuns. O mercado de tradução continua crescendo, há cada vez mais demanda e cada vez mais gente querendo ser tradutor. Gente querendo aprender e se aperfeiçoar, e também gente querendo dinheiro "fácil" (repare nas aspas).
Por conta de tudo isso, as discussões sobre os rumos do mercado estão fervendo em cima da "nova" aplicação de programas gratuitos de MT. Será que muita gente despreparada vai usar esses programas sem critério? Será que representam mesmo uma ameaça aos "grandes" tradutores ou eles nem precisam se preocupar?
Há uma discussão interessante sobre esse assunto na comunidade Tradutores/Intérpretes BR do Orkut. Não foi a primeira, mas está muito rica, pelo menos até as trinta e poucas mensagens que constam até este momento.
Além disso, o Danilo Nogueira tocou no assunto recentemente no blog dele, mencionando no mesmo texto opiniões sobre o mercado de tradução. E, no próximo sábado, dia 9 de maio, na série de palestras gratuitas conhecidas como Reunião na Sala 7, da Aulavox, ele vai abordar justamtente o tema das tecnologias.
Na minha opinião, não dá para tapar o sol com a peneira e deixar de tomar conhecimento e participar desta discussão. Se diversas ferramentas já nos levaram a aumentar a produtividade, a qualidade e a consistência das traduções, a pressão pela alta produtividade só vai aumentar com a nova geração de ferramentas. O diferencial dos tradutores que acreditam que merecem ganhar bem por seu trabalho vai ser dar conta dessa produtividade, além de uma qualidade muito superior à média do mercado, já que produtividade sem muita qualidade é fácil de se conseguir.
Os mais pessimistas andam dizendo que logo seremos revisores das máquinas. Eu não consigo ver esse quadro. De qualquer forma, quero que as máquinas sejam minhas parceiras - não faz sentido ter medo delas nem combatê-las. Vou arregaçar as mangas e mergulhar de novo nesse assunto.
15 comentários:
Belo post, com ótimos links. Lembro de ter lido sua monografia quando ainda estava na faculdade e as pessoas sequer sabiam o que era o Trados (rs).
:-)
Eu tinha pensado em escrever sobre isso no blog, você chegou primeiro. :-)
Escreve também uai!
Um monte de gente já escreveu sobre isso antes de mim. Cada um tem seu ponto de vista e contribui com alguma coisa.
Fora que, em blog, nada se cria, tudo se transforma.
:-)
adorei os dois últimos comentários do post.
sinceramente, achei perfeito não só o artigo como os links. Sou professor e "tento" fazer meus alunos se interessarem por tudo o que possa ser interessante para eles no aprendizado e, claro, este artigo vai pra sala de aula. Continuem assim! Parabens!
Obrigada!
:-)
Prezada Carol, adorei o seu blog, muito informativo! Gostaria de saber se existe algum manual sobre TT em português. Estou me preparando para dar essa disciplina aqui na Universidade de Macau para aprendizes chineses de protuguês.
Obrigada!
marcias@umac.mo
Oi, Marcia.
Nossa, direto de Macau!! :-)
Mas não entendi direito: um manual sobre o que, exatamente? Há diversos software e eles sempre incluem manuais, mas não sei se em português.
Um abraço.
Acredite, existem sim 'profissionais' de tradução que utilizam sem dó nem piedade esses softwares de tradução e pior, nem revisam. Uma vez recebi uma tradução que tenho certeza não ter sido revisada por um simples motivo: o sobrenome do autor estava traduzido. O sobrenome era Carneiro Dias e a tradução ficou Fulana Lamb Days
Ah, agora que vi: só podia ser o blog da Carol Alfaro - excelente tradutora que ainda não tive oportunidade de conhecer pessoalmente.
Parabéns, excelente texto!
Um abraço
Jacqueline Thompson
:-)
Obrigada, Jacqueline.
Quanto à sua crítica a essas pessoas que usam software de tradução automática sem nem olhar, cometendo esses absurdos, acho que fica feio usar aspas para se referir a eles como "profissionais". Existe um nome técnico para essa categoria. Anote aí: PICARETAS.
;-)
Carol, adorei o seu blog, sempre ouço falarem muito bem de você. Vou fazer minha monografia sobre tradução de legenda e gostaria de saber como faço para ter os seus trabalhos, sua bibliografia.
Beijos, Priscila.
Oi, Priscila.
Obrigada!
Meus trabalhos acadêmicos estão disponíveis no meu site:
www.scribatraducoes.com.br/carol/
Um abraço.
Totalmente de acuerdo con Carol
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