4 de março de 2009

A tradução em tempos de recessão

Desde meados do ano passado, o mundo vem se preparando para encarar uma das maiores crises mundiais das últimas décadas. Dependendo do grau de sensacionalismo com que a notícia é veiculada, tem gente já estocando papel higiênico até o dia do Juízo Final ou comprando passagem no próximo cometa.

Eu realmente não acho que haja motivo para pânico. Mas sim, é bom a gente se preparar, avaliar nossa trajetória, pensar em que vale a pena investir, imaginar algum Plano B.

Vale lembrar que, principalmente no Brasil, para muita gente o ano de trabalho pra valer só começa depois do carnaval. Muitos tradutores, dependendo dos clientes que têm, estão em época de calmaria desde dezembro. Eu já tinha falado sobre isso e as dicas de preparativos e melhorias aproveitando um período mais calmo continuam valendo.

O Danilo Nogueira já escreveu um pouco sobre a crise em janeiro, no blog Tradutor Profissional. Ele fala mais sobre a postura profissional e as pressões que os tradutores autônomos costumam sofrer por parte dos clientes. De fato, saber lidar bem com isso é fundamental a todo momento, independentemente do que esteja acontecendo na economia. São duas postagens, parte 1 e parte 2.

Outro artigo interessante, escrito por Faisal Kalim e publicado agora no começo de março, é intitulado "A Freelance Translator Recession Survival Kit". Também traz dicas concretas, úteis para manter os pés no chão.

*** Atualização ***
Após publicar este texto, encontrei mais um ótimo post, com o qual concordo totalmente: "Lowering your translation rates: why/why not". Aliás, é mais um blog que está indo para a minha lista de visitas regulares.
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Falando mais do que eu tenho visto e sentido:

Quem presta muitos serviços a clientes estrangeiros, sobretudo europeus e americanos, ou a agências que dependem desse tipo de cliente, já começou a sentir o baque. Aliás, acho que essa é a turma que levou o pior golpe logo de cara, pelos depoimentos que ouvi de colegas. De fato, quem lida mais com moedas estrangeiras, remessas de divisas e fluxos de serviço mais distantes costuma ser adepto das emoções fortes -- por exemplo, quando alguma medida econômica muda radicalmente a relação de câmbio, ou uma agência internacional de peso se muda para a Índia e coisas desse tipo. Por outro lado, dependendo do câmbio, quem fatura em dólar ou euro ganha muito mais em épocas de recessão no Brasil. Acontece que desta vez a crise está vindo de fora.

Eu quase nunca trabalho para agências. Meus principais clientes são universidades e centros de pesquisa, editoras e produtores de vídeo, quase sempre no Brasil. Pessoalmente, eu não senti diferença alguma na demanda. Tive uma quantidade enorme de trabalho durante o fim do ano, e 2009 começou a mil por hora. Muita gente publicando internacionalmente, muita gente produzindo, exportando e importando filmes. E ninguém chorando preços. *batendo na madeira*

Sei que não sou só eu que estou sentindo isso. A maioria dos meus colegas está repleta de trabalho.

Para confirmar que isso não estava acontecendo só em um nicho mais restrito, saí em busca de informações mais longe da minha esfera. Na virada do ano, eu já tinha ouvido notícias positivas no podcast Speaking of Translation. No episódio 1, as tradutoras responsáveis pelo podcast mencionam algumas tendências positivas para o mercado de tradução como um todo, e essa questão é explorada no episódio 2a, onde há entrevistas com empresários e tradutores.

Na matéria do Renato Beninatto mencionada no podcast, estão resumidos depoimentos e tendências percebidas na indústria da tradução no mundo todo (vale destacar que a pesquisa que ele fez envolve grandes agências dedicadas a setores técnicos). No fim do artigo, há o pertinente comentário de que a tradução geralmente é a última etapa da cadeia de produção, então talvez sinta os efeitos da crise só mais tarde. Pode ser, mas eu não concordo muito com isso. Justamente por ser a última etapa, costuma ser a primeira a ser cortada quando a verba fica curta. Um fabricante de celulares não vai deixar de vender celulares cada vez mais baratos, mas provavelmente vai deixar de vendê-los acompanhados de um manual traduzido por seres humanos competentes. É por isso que muitos tradutores que trabalham diretamente para clientes americanos e europeus já vêm sentindo os efeitos da recessão desde o ano passado.

No Brasil, o mercado editorial me parece continuar bem aquecido. Tenho recebido pedidos constantes de traduções para editoras, e tenho recomendado e sido recomendada por muitos colegas que também estão repletos de serviço.

E o setor de mídia, principalmente o de TV, também está com uma demanda imensa. Para cada pedido que eu aceito, preciso recusar dois ou três. Dei um curso de legendagem para 25 alunos em São Paulo, que terminou há pouco mais de duas semanas. Antes mesmo que terminasse, já havia produtoras de vídeo me pedindo recomendações, e já tive o prazer de indicar duas alunas excelentes. E posso afirmar com certeza que a demanda vai continuar alta o ano todo, a menos que aconteça alguma catástrofe mundial muito pior do que a que está sendo prevista. *batendo na madeira*

Sim, claro, mas e a remuneração? Porque, convenhamos, de nada adianta estar mergulhado até as orelhas em serviço e ganhar uma mixaria. Nem sempre quem está lotado de clientes está ganhando mais do que quem tem metade dos clientes, mas pagando cinco vezes mais.

A remuneração varia muito, é claro. É da natureza do cliente buscar o melhor serviço pelo menor preço. E deve ser da natureza do tradutor conseguir oferecer um serviço diferenciado e cobrar o valor mais alto que puder por esse serviço. Há todo tipo de cliente e todo tipo de tradutor por aí. É preciso buscar permanentemente uma posição mais alta, especializar-se, aumentar a produtividade, diversificar. Ninguém está com a vida ganha.

Eu gostaria de ganhar mais trabalhando menos, é claro. Quem não gostaria? Mas não tenho motivo para reclamar e estou pagando minhas contas -- que são em dólar, por sinal, embora o dólar canadense tenha se desvalorizado um pouco.

(Estou para escrever mais sobre esse aspecto em relação ao mercado de legendagem, em breve.)

Para encerrar com mais uma notícia positiva, saiu agora em março uma listagem de carreiras "a prova de recessão". (Publicada pela Reader's Digest. Sim, eu sei. Mas enfim.) Lá estamos nós, no item 7. E vale lembrar que nós estamos em vários outros itens também, escondidinhos nas engrenagens da ciência, da tecnologia e da informação.

13 comentários:

Anônimo disse...

Oi Carol! Como vai?
Adorei as dicas, principalmente do post "Como sufar em um Tsunami" (rs).
Sendo autônoma e estando em início de carreira, vivo insegura, com medo do amanhã...espero que a lista da Reader´s Digest esteja certa!
Beijos!!
Maíra Porto Ferreira

Anônimo disse...

Também sou brasileira, tradutora e acabo de me mudar para o Canadá. Muito bom o post!

Carolina Alfaro de Carvalho disse...

Oi, Flávia!

Que bom, obrigada!

Onde no Canadá?

Anônimo disse...

Oi, Carol!
Estou em Port Cartier, Québec.
Cheguei há 2 meses apenas e só agora estou terminando de colocar tudo em ordem para voltar ao trabalho. Você está em Toronto, não é?
Bjs.

Carolina Alfaro de Carvalho disse...

Que legal!

Ah, a gente demora um tempinho para se ajeitar.

Sim, estou em Toronto há 1 ano e 8 meses. Adorando!!

Aí no menu à direita tem o link para o meu blog pessoal desde a nossa mudança.

Se quiser manter mais contato, meu Skype é 'carol_br'

Um abraço.

Anônimo disse...

Hello Carol, my Portuguese is to rusty to reply in Portuguese, but I can read it alright. It was great finding you through "thoughts on translation". Now I have the opportunity to practice my reading of Portuguese and share with more fellow-translators. Até a prossima.

Carolina Alfaro de Carvalho disse...

Oi, Fred.
Obrigada pelo comentário!
Que pena, meu francês é básico demais para acompanhar seu blog.
Mas pode comentar aqui sempre que quiser, em qualquer língua.
Um abraço.

Anônimo disse...

Oi, Carol!
O meu Skype é flavia.vilas.boas
Bjs!

Lívia Melo disse...

Oi Carol, meu nome é Lívia, sou tradutora freelance e acabei de descobrir seu blog. Fiz um curso de legendagem e amo de paixão, mas estou tendo dificuldade em entrar no ramo, você poderia me dar algumas dicas? Agradeço desde já!
Abraços!

Carolina Alfaro de Carvalho disse...

Lívia,

Se você já fez um curso, procure produtoras de vídeo que façam legendagem e recrutem tradutores.

Só agora percebi que foi você que mandou um e-mail para a minha empresa. Não confunda empresas prestadoras de serviços (como a minha) com agências e produtoras cuja principal atividade é justamente terceirizar serviços de tradução para empresas como a minha.

Boa sorte.

Lívia disse...

Valeu. É que confesso que ando mandando e-mails para vários lugares para ver se alguém me dá uma luz sobre isso.
Obrigada mesmo.

Ana Honrado disse...

Li num livro muito interessante sobre o trabalho dos trabalhadores freelancer em geral que o preço de um trabalho, e no nosso caso, de uma tradução deve ser definido da seguinte forma:
Valor que gostaríamos de receber por ano a dividir pelo nosso valor hora, e é assim que sabemos quanto devemos cobrar por hora, e se formos já tradutores com alguma experiência no ramo, sabemos quanto tempo demoramos em cada tradução, assim sendo podemos também definir o nosso preço por tradução. Ora, esta para mim foi sem dúvida a melhor e mais eficaz forma que alguém obteve para saber o valor a cobrar. É bem verdade que a tradução é um trabalho que sofre de situações onde a concorrência é feroz, pois há muita gente a traduzir que não é certificado e que cobra valores muito baixos. Mas como sabemos, o barato cobra-se caro. Ora se um tradutor está disposto a aceitar ou cobrar menos dinheiro por um projeto, ou está a tentar ganhar "fama" e angariar clientes ou então não é certificado e, assim sendo, é normal que o faça. Mas novamente, devemos explicar aos nossos clientes o porquê do valor X de forma a que eles compreendam.
Obrigado,
Ana Honrado

Carolina Alfaro de Carvalho disse...

Ana,

Obrigada pelos comentários.

Sim, no fundo o que importa mesmo é o valor médio da nossa hora de trabalho. Há quem renda mais com tradução de textos, outros com revisão, outros com legendagem, localização, etc. Os valores individuais podem variar muito por página ou palavra ou caractere ou minuto, mas o que realmente conta é a nossa produtividade.

Há múltiplos nichos e clientes espalhados por todo o mundo. Não há por que fazermos sempre a mesma coisa. Para mim, a diversificação foi o que mais me ajudou a me adaptar às mudanças, minhas e do mercado.