5 de dezembro de 2012

Balé e ópera multimídia

Como é que uma "arte morta", como muitos se referem à ópera, ou um antigo estilo de dança, podem de repente atrair novas gerações a alcançar o maior público a que já teve acesso?

Através de recursos multimídia!


Algumas companhias de balé e ópera têm exibido suas apresentações ao vivo, para cinemas de todo o mundo. É o caso do Bolshoi Ballet, a Metropolitan Opera, a Royal Ballet e a Royal Opera House. A Emerging Pictures lista a maioria dessas apresentações.

No ano passado, eu fui procurada pela Royal Opera House/Royal Ballet (ROH) para traduzir algumas dessas apresentações para o português, pois eles estavam começando a exibi-las para uma rede de cinemas em todo o Brasil. Foi uma experiência ótima, e recentemente começou a temporada de 2012-2013 e eu fui escalada para fazer todas as traduções em português. É por isso que falo mais do ROH aqui, já que conheço de primeira mão como essas transmissões funcionam.

Essa tecnologia já existe há vários anos. Em 2003, eu assisti a um show de David Bowie que foi exibido ao vivo, desde Londres, para cinemas em todo o mundo. Eu estava no Brasil e, além de vermos o show, pudemos fazer perguntas para Bowie depois, desde o cinema, e ele ouvia e respondia desde Londres. Considerando como essa experiência foi incrível, chega a ser surpreendente (quase assombroso) que não tenha se tornado uma opção de entretenimento muito mais comum.

Mas parece que as transmissões ao vivo para cinemas finalmente estão vindo para ficar. A ROH começou a exibir as apresentações em cinemas do Reino Unido em 2009; o Brasil foi incluído no ano passado e o Japão nesta nova temporada. Agora transmitem para 240 cinemas de 32 países, em 6 ou 7 línguas, se não me engano.

Este vídeo (em inglês) destaca as vantagens de assistir balés e operas no cinema.


Os sons e imagens são capturados em alta definição, e as legendas em todas as línguas são todas transmitidas desde Londres. As traduções são realizadas com poucos dias (ou, às vezes, poucas horas) de antecedência. No caso de óperas, traduzimos o libretto, naturalmente, mas também há trailers e curtas sobre cada produção, que mostram ensaios, entrevistas e outras informações importantes sobre a produção, e que são exibidos antes do espetáculo e durante os intervalos. Também há mensagens exibidas na tela para os espectadores (por exemplo, incentivando-os a enviarem tweets com comentários sobre o espetáculo) e um resumo de cada ato que verão. Alguns dos tweets enviados também são exibidos na tela do cinema durante os intervalos.

Como as imagens são geradas ao vivo, as legendas não podem ser editadas permanentemente sobre o filme. São exibidas manualmente, ao vivo, pelo departamento de surtitling da ROH ("surtitling" é o nome das legendas exibidas em teatros, geralmente acima do palco).

A ROH interage com os espectadores nas principais redes sociais. Tem seu canal no YouTube, página no Facebook e conta no Twitter. E divulgou recentemente alguns números impressionantes sobre a temporada de 2011-2012, que sem dúvida irão crescer a cada ano. Alguns destaques:
  • Cerca de 300.000 pessoas assistiram à  Royal Opera e à Royal Ballet em cinemas.
  • Quando a Royal Ballet fez um dia inteiro de streaming grátis (um dia na vida da Royal Ballet exibido no YouTube, sem editar), a audiência atingiu um milhão de espectadores.
  • O público está cada vez mais jovem, com um grande número de pessoas que assistem a ópera  e balé pela primeira vez na vida, pois vê-las no cinema é bem mais barato e acessível, e menos intimidador, do que ir até um teatro.
Conquistar novos públicos e aproveitar as vantagens oferecidas pelas redes sociais sem dúvida são objetivos importantes. E um dos aspectos atraentes das redes sociais e dos recursos multimídia é o contato mais próximo entre astros e fãs, que a ROH também explora, como se vê neste vídeo (em inglês):


Novos públicos e novas mídias também implicam o uso de uma nova linguagem. As legendas devem ser breves e simples, para que possam ser lidas depressa e permitam aos espectadores entender o que é dito e ainda assim apreciar plenamente as belíssimas imagens à sua frente. No caso de óperas, isso significa que as traduções empregam uma linguagem mais moderna, sem termos obscuros ou obsoletos. O texto original continua intacto na performance, mas seria impossível acompanhar o libretto completo junto com o espetáculo. Assim, as legendas estão lá para falar a língua dos espectadores nos cinemas e ajudá-los a aproveitar totalmente a experiência, sem se sentirem deslocados.

A ROH é um modelo de cliente para os tradutores. O trabalho antes de cada apresentação é intenso e muitas vezes nos fins de semana, mas a remuneração faz jus ao que eles pedem. Procuraram tradutores recomendados, com experiência em legendagem e que se sentissem à vontade com os temas e a terminologia envolvida. Levando em conta a magnitude dessa operação, o custo da tradução provavelmente é quase insignificante, e a prioridade é oferecer a maior qualidade aos espectadores. A ROH reconhece o valor de uma tradução audiovisual especializada.

Este último vídeo mostra o departamento de audiovisual, e eu acho particularmente fascinante.


Acredito que há muito a aprender com essa experiência bem-sucedida da Royal Opera House e de outras companhias de balé e ópera. O público agora é global, novas tecnologias e mídias podem dar vida nova a antigas formas de arte -- incluindo lucro, sim, a internet não está matando a indústria do entretenimento, muito pelo contrário -- e serviços de tradução profissionais e especializados podem fazer a ponte entre as línguas.


Este texto foi publicado originalmente no meu blog sobre tradução de multimídia, em inglês.

8 comentários:

Aline Kachel disse...

Peço desculpas antecipadas, pois estou prestes a entrar no modo fanática.

Adoro ballet e minha companhia favorita é justamente o Royal. Uma das razões é por eu simpatizar mais com os bailarinos e outra é justamente essa postura deles como empresa. Eles estão sempre procurando inovar, ou pelo menos é a sensação que passam. Fizeram um ballet de repertório completo (Alice) há pouco tempo, coisa que não vejo nenhuma outra companhia fazendo, pois o foco agora é o contemporâneo, e estão com outro em produção, pelo que eu sei. Temos também as grandes iniciativas de vídeos publicados no YouTube mostrando a preparação das produções, que eu adoro. Esta semana, por sinal, publicaram um ensaio do Quebra Nozes. Em setembro fiz uma viagem para Londres e fiz o "Backstage Tour" deles, outra iniciativa que adoro e na qual tive a impressão que eles respeitam e se preocupam com seus funcionários. E agora, graças à sua publicação, sei de outro motivo que me faz admirar a empresa: respeito pelos profissionais de tradução.

E justamente este domingo vou assistir pela primeira vez uma produção deles no cinema, O Quebra Nozes. Talvez segunda-feira eu deixe minhas impressões aqui mais sobre o aspecto técnico.

Pronto, acho que terminei a seção diário do comentário. Apenas duas colocações: apenas para informação, o Opera de Paris também faz transmissões de cinema, mas não sei se no Brasil. E gostaria de agradecer pela informação a respeito do termo surtitling, que eu desconhecia.

Carolina Alfaro de Carvalho disse...

Aline,

Adorei seu comentário!

Antes de mais nada, por favor, comente aqui após assistir ao Quebra-nozes no cinema. A tradução no Brasil vai ser a minha, e eu não tenho como ver pois não estou no Brasil.

Na última exibição, eu acompanhei os tweets e cheguei a perguntar aos brasileiros como estava a qualidade da transmissão e das legendas (sem me identificar como tradutora) e disseram que estava tudo ótimo. Mas imagino que uma ou outra falha técnica possa acontecer (por exemplo, na sincronia das legendas, já que são lançadas ao vivo, via satélite). Pode voltar aqui e comentar sem dó nem piedade! :-)

Em um outro lugar (acho que no LinkedIn), uma pessoa argumentou comigo que isto que eles estão fazendo vai levá-los à extinção, pois ninguém mais vai querer assistir às apresentações no teatro.

Eu discordo totalmente. O teatro deles vive esgotado. E, acompanhando os tweets, vejo que MUITA gente está vendo ópera e balé pela primeira vez no cinema e, após adorar, não vê a hora de poder assistir no teatro. Na minha opinião, estão formando um novo público, mas sem com isso destruir a arte.

E falo por mim mesma: nunca tinha assistido balé, mas na semana passada vi justamente Alice aqui em Toronto (coprodução da cia. de balé canadense com a Royal Ballet). Comprei os ingressos após ter visto apenas um trailer da produção num dos vídeos da ROH.

Aline Kachel disse...

Concordo com você, Carolina. Essa iniciativa só faz o público crescer. Sem contar que é muito difícil "exportar" a produção para outro país. Imagina só o transporte de figurinos, adereços e, principalmente, cenários. E os instrumentos musicais também, que sofrem muito com qualquer tipo de transporte.
E mais uma questão quanto ao cenário: não é todo teatro que comporta o tamanho das produções deles. Durante o tour, a nossa guia comentou que eles já fizeram a parte de trás do palco grande o suficiente para que os cenários fossem montados ali e só movidos até o palco durante a apresentação. Além de ter entrada para caminhões que fazem o transporte do local de produção do cenário até o teatro.
Isso sem falar no custo de transporte e hospedagem de pessoal. Além dos bailarinos e músicos, pessoal de suporte. Penso especialmente em costureiros para fazer ajustes os necessários ou urgentes. E esses são só os custos que eu conheço ou consigo imaginar. Tenho certeza que há mais coisa envolvida que eu nem imagino.

E isso tudo para se apresentar em apenas UMA cidade por vez. Público máximo de, o que, 3 mil pessoas por noite? A transmissão através de cinema é uma forma de, simplesmente, fazer com que tenhamos acesso a uma produção que não teríamos de outro jeito. Sem contar que pode cativar um público novo que, numa eventual viagem à Inglaterra, se planeja justamente para assistir à uma produção ao vivo deles. E, como você muito bem disse, eles vivem esgotados. Tem que correr para conseguir ingresso! Principalmente se você quer assistir com um bailarino ou bailarina em particular.

E pode deixar que segunda-feira venho aqui dar meus "dois centavos" sobre a legenda ;)

(e mais uma vez comentário gigante)

Carolina Alfaro de Carvalho disse...

Pois é, eu simplesmente não imagino que a comodidade do cinema elimine as produções ao vivo. Pelo contrário.

Pode voltar e comentar à vontade!

Aline Kachel disse...

Poxa, foi uma versão sem legenda, apresentação direto. :(

Se não me engano é a versão do DVD que eles lançaram em 2009 ou 2010. Mas foi lindíssimo, valeu a pena ver em tela de cinema. :D

Carolina Alfaro de Carvalho disse...

Ué, a apresentação ao vivo é nesta quinta! Estou legendando os curtas neste momento...

Aline Kachel disse...

Agora que vi que em alguns cinemarks tem a seção de quinta-feira. Nenhum dos de Curitiba, porém :(

Carolina Alfaro de Carvalho disse...

Ah, que pena!

Mas fica de olho no canal deles no YouTube e no Facebook, pois eles põem lá os curtas sobre os bastidores, que são ótimos!